quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Leitura e descobertas

Era para ser um dia comum, como todos os outros, naquela escola primária do interior nordestino. O que não sabíamos é que um gesto de uma professora dedicada iria mudar a vida de todos aqueles alunos para sempre...

Pouco antes da hora do recreio a professora anunciara que havia chegado à escola uma caixa de livros. Os alunos ficaram surpresos. Ela continuou dizendo que as obras faziam parte de um projeto de biblioteca itinerante.

- O que é itinerante professora? Perguntou um colega no final da sala.
- Itinerante é aquilo que sai por aí de um lugar para outro, que viaja. Respondeu a professora sem muita explicação, mas com certo suspense. E continuou dizendo, quem se interessar pode de ir à biblioteca. Trimmmmm! Toca a sirene do recreio. E como de costume todos saem correndo.

No pátio da escola não se falava de outra coisa.
- Esse negócio de itinerante! Não entendi nada. Onde já se viu tá levando livro de um lado pra outro. Dizia um menino todo “amuado”.
- Tô vendo tudo, essa coisa de livro é mais trabalho. Já não chega um tanto de tarefa de casa.
- Eu é que não vou nessa tal de biblioteca itinerante!
- Nem eu!
A conversa corria frouxa...

Trimmmm! Era a sirene de novo. Acaba o recreio. Demora um tempo e a professora entra na sala de aula com uma caixa toda colorida. E pergunta:

- Alguém foi à biblioteca? Silêncio total. Esperei por vocês, mas ninguém apareceu. Bem, como nenhum de vocês foi até lá, a biblioteca veio até vocês. Afinal de contas, itinerante é para isso!

Lembro que todos arregalaram os olhos ao verem a professora tirar um livro dentro da caixa. Parecia um mágico que tira um coelho da cartola. Não se ouvia uma só palavra. Ela mostrou um livro de capa branca com um imenso arco-íris e logo abaixo escrito: Flicts (do Ziraldo). Recordo como hoje. Magicamente folheou as páginas e cheirou como se fosse uma flor rara. Perguntou a turma sobre as cores da obra. Esperou a resposta com a mão no ouvido em forma de concha. Em seguida engoliu a própria saliva com prazer e sorriu. E sem perder tempo começou a ler de forma teatral, com entonações, caras e bocas que nos hipnotizava. Ficamos fascinados com aquele objeto mágico! E naquele dia fomos fisgados pelo prazer da leitura. Só hoje entendo que ela queria demonstrar que ao ler um livro nós usamos os cinco sentidos. Uma mestra!

Esse ritual de encantamento da leitura continuou nas próximas sextas-feiras do semestre. Esperávamos ansiosos pelo o dia dos contos na sala de aula. Cada história nos transportava para mundos de aventuras. Ao passo que crescia nosso interesse pelos contos. Até que certo dia a professora informou o fim da leitura em sala de aula. Ficamos perplexos.

- Por que não vamos mais ter as leituras professora?
- Agora vocês já estão prontos para caminharem sozinhos. Já tá em tempo de irem a biblioteca e escolherem seus próprios livros. Vão, andem pela sala sem compromisso, como se estivessem andando na feira vendo as frutas e os bichos. Se tiverem vontade, pegue um livro, abra, vejam as figuras. Sem medo.

Entrei na biblioteca e meus olhos varreram tudo. Era uma sala bem pequena, tinha três mesas de quatro cadeiras e quatro estantes cheias de livros. Cada prateleira das estantes tinha a indicação de uma área do conhecimento. Lembrei-me das palavras da professora e segui à risca. Andei de um lado para outro e parei na estante que estava escrito literatura. Procurei pelo o Flicts. Achei. Estava ofegante. Li e reli aquele livro várias vezes. Nunca mais parei de ler.

Obrigado professora.